sexta-feira, 20 de junho de 2008

A verdadeira fome da Humanidade

A Eucaristia é o centro vital de toda a dinâmica cristã. Toda a Liturgia da Igreja está orientada para a Eucaristia, porque aí se encontra o ponto máximo da oração da Igreja de Jesus Cristo - o encontro do Homem com o próprio Deus, de um modo singular e na pessoa do supremo e eterno Sacerdote, que é Cristo, morto e ressuscitado. É na Eucaristia que buscamos o alimento que nos restabelece para continuarmos a caminhada: «Quem come deste pão, viverá eternamente». (Jo 6,58)

O homem necessita de alimento para o corpo. Sem alimento, as suas forças enfraquecem; fica doente; morrerá, se a carência alimentar persistir. Mas o homem não é só corpo; precisa de outra espécie de alimento para se desenvolver e realizar plenamente. De contrário, definha, na totalidade do seu ser. A sua dimensão espiritual pede-lhe o alimento da alma: «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» - respondeu Jesus ao tentador, no deserto. (Mt 4, 4).

Lê-se na profecia de Amós: «Dias virão – diz o Senhor Deus – em que mandarei a fome sobre a terra: não será fome de pão, nem sede de água, mas fome de ouvir a palavra do Senhor. E o presságio continua: «Irão cambaleando de um ao outro mar, irão sem rumo do Norte ao Oriente, à procura da palavra do Senhor, mas não a poderão encontrar». (Am 8, 11-12).

Na Missa, o cristão encontra esse alimento imprescindível ao seu desenvolvimento na Fé, com vista ao cumprimento da sua missão existencial, única e irrepetível no mundo. A Missa, especialmente a Missa dominical, oferece-lhe lugar e oportunidade para se encontrar consigo mesmo, para se reconciliar com o Criador, para O louvar e Lhe dar graças, em reconhecimento da sua própria existência. Aí, ele escuta a Palavra de Deus, alimento que aprofunda e fortalece o seu entendimento, e o leva a enveredar, na vida, pelo melhor caminho. Depois, é na Missa que se realiza a comunhão sacramental do cristão com Jesus Cristo, e, n’Ele e por Ele, a comunhão com os irmãos: ali presentes, no mundo inteiro, e na eternidade. Mistério sublime!

Diz Ratzinger, Bento XVI, no seu maravilhoso livro «Jesus de Nazaré», recentemente vindo a público: «A desavença com Deus é o ponto de partida de todos os envenenamentos do homem; a sua superação constitui o pressuposto fundamental para a paz no mundo. Só o homem reconciliado com Deus pode estar também reconciliado e em harmonia consigo mesmo; e somente o homem reconciliado com Deus e consigo mesmo pode construir a paz à sua volta e em todo o mundo» (pag. 124).

Nos tempos que passam, o mundo debate-se com o problema terrível da fome física, mas a fome mais dramática da humanidade é a carência de alimento espiritual: o Pão da Palavra e o Pão Eucarístico.

Se os homens se alimentassem com o «pão vivo que desceu do céu» (Jo 6, 51), e mitigassem a sede que os atormenta nas torrentes de água viva que brotam das fontes eternas do coração de Cristo Redentor, todo o mundo se transformaria em prados verdejantes, em searas doiradas e em pescas milagrosas. Então, das espadas do ódio, do egoísmo e da violência, depressa se fariam relhas de arado, e a paz seria possível, porque fruto da justiça e do amor. (Is 2, 4)

É por isso que se me afigura particularmente grave, hoje, verificar que, em algumas missas celebradas, se devota pouco cuidado às leituras da Palavra de Deus, e se permite uma quase subalternidade fugaz ao momento propriamente eucarístico. Chega-se a suprimir leituras bíblicas, quando se perde tempo, no decurso da celebração, com atitudes acessórias, inadequadas e, até, anti-litúrgicas, que diluem ou tornam opaco o carácter místico da solenidade, o sentido profundo do Mistério.

Promove-se, às vezes, um diletantismo circunstancial que pode atrair multidões sempre ávidas da novidade e do maravilhoso, mas não se preenche nas almas o vazio que as faz retroceder perante as exigências da doação evangélica, que implica palmilhar o caminho pedregoso do Calvário. De resto, a própria Cruz se vai esfumando do imaginário espiritual dos fiéis, que facilmente preferem um «Cristo» «light», «soft», que não evidencie a rudeza atroz do rosto humano-divino desfigurado pelo sofrimento, nem as chagas abertas pelo martírio a que foi submetido o Servo de Javé, ao tomar sobre Si os pecados da Humanidade. (Is 53)