terça-feira, 13 de abril de 2010

Para que da Memória se faça História

Apontamentos de um soldado em África - 20
A Árvore das Patacas
Quando eu era criança, ouvia falar na “árvore das patacas”, existente, naquela altura, lá para os lados do Brasil... E estava eu convencido de que, na realidade, havia a tão desejada árvore, e que, português que ao Brasil fosse, e abanasse a ramagem da dita, regressava rico.
Os tempos passaram. Fui perdendo aquela santa e inocente crença na famigerada planta e, até com decepção e tristeza, cheguei à conclusão de que o “fruto patacal” era colhido, não de uma frondosa e verdejante árvore exótica, mas de alguns expedientes e trafulhices…, embora para muitos, felizmente, a árvore não fosse senão o seu honesto e intenso trabalho, de tronco rodeado pelos espinhos do sacrifício.
Parece que hoje, porém, tal crença ou ilusão voltou a tomar muitas almas, e já não somente o Brasil possuirá o madeiro que tão precioso fruto dá – se é mesmo que não o perdeu - mas noutros pontos do mundo ele se levanta para muita gente, e pena é que o nosso Ultramar esteja neles incluído. Para aqui, correm muitos em ávida procura da sombra acolhedora dessa árvore que nos pode tirar da miséria, e sem mais nada considerar do que o seu dito fruto.
Tal situação levanta enormes problemas sociais, que não são estranhos, não só ao indivíduo em si mesmo, mas também à Família, à Igreja, e à Economia da Nação - que se vê desfalcada no potencial humano de que tanto necessita na hora que passa. E o problema é tanto mais grave, quanto é certo que o País tem de empregar actualmente grande parte da sua juventude - que é o vigor da Nação - na defesa do solo pátrio, o que traz, já por si, inúmeras consequências humanas, sociais e económicas.
Não seria, então, de desejar que a corrente humana que se escoa para o estrangeiro, da qual, repito, muitos dos seus elementos vão simplesmente em procura da “árvore das patacas”, se encaminhasse para as Províncias Ultramarinas, onde agora mais do que nunca precisamos de marcar fortemente a nossa presença?!... Sim! Mas, importa não cair no erro a que uma visão simplista do problema nos leva. É que não basta vender a mobília, e mesmo a casita ou as terras que, se bem que modestamente, sempre iam servindo de ganha-pão quotidiano, comprar as passagens e arribar a qualquer cidade do nosso Ultramar. E há tantos que o fazem deste modo!...
Efectivamente, é preciso vir com certeza, e não à sorte. Torna-se necessário que a nossa gente da Metrópole, por meio de idóneas entidades particulares, ou através de organismos oficiais e da especialidade, encontre nas Províncias Ultramarinas as condições propícias à sua à sua fixação, de modo a garantirem uma vida desafogada e útil, que seja melhor que a usufruída anteriormente. E não só ao Governo compete tomar as medidas tendentes ao desenvolvimento das Províncias, para que estas possam receber os eventuais excedentes populacionais da Metrópole, mas também às entidades particulares se pede o investimento adequado no mesmo sentido. A Nação precisa dos esforços de todos... Não imputemos unicamente ao Estado as responsabilidades. Ao esforço da juventude que no campo militar dá o que pode dar, mesmo a mais humilde..., aquilo que tem de mais precioso - a sua própria vida -, não se possa opor a traição daqueles que, no campo económico, procuram a retirada, como precaução e defesa mesquinha dos seus interesses particulares.
Vir para o Ultramar, pensando apenas em abanar a “árvore das patacas”, é acção digna de reprovação, e perigosamente arriscada. Mas há quem o faça, e não são poucos! Talvez movidas por ilusões fabricadas por uma propaganda fácil e atraente...; talvez empurradas por ambições que surgem em seu íntimo, ao tomarem conhecimento de êxitos rápidos alcançados por alguns, o certo é que chegam a Angola pessoas que só pensam no que vêm fazer quando põem pé em terra. Até aí, tudo era sonho de doce ilusão - vir para África -, mas a verdade é que, após o desembarque, não sabem, tantas, para que lado se hão-de virar. E, como os tostões são poucos, e a pensão, num trago, os comerá, não têm outro remédio senão começarem a pensar no regresso à terra mãe, depois de alguns dias a procurar emprego, sem resultado. E, consequentemente, são estas mesmas pessoas que vão dizer que isto está mau, quando afinal não saíram de Luanda, e, devido à sua situação desesperada, retomaram o barco de regresso, quase em pânico, e endividadas.
Contra esta situação, levantou há tempos a sua voz o órgão da Arquidiocese de Luanda, “0 APOSTOLADO”, e a mesma mereceu já a atenção das entidades oficiais. Mas, apesar disto, ela continua a verificar-se.
Ainda há dias, tive ocasião de ver em Luanda um pobre homem que pedia a um soldado seu conterrâneo uma ajuda monetária para regressar à Metrópole. Era um recém-chegado.... e já andava aflito para partir. E mais dois, ao que parece, lhe faziam companhia no infortúnio. Olhei para eles... Um trazia um ananás na mão, talvez para se convencer de que estava em África... E senti pena!... - e eu tinha razão (por motivos particulares e pessoais) para sentir pena!... Não! A “árvore das patacas” não existe, afinal! Não é chegar... dar uma abanadela, e voltar. Quem vier a pensar desse modo, esse é que ficará dentro em pouco abanado... e sem pataca no bolso.
Angola, ou outra qualquer Província, precisa de gente, mas não pede a ninguém que venha à aventura, e muito menos acreditando na ilusória “árvore das patacas”, porque ela não existe em lado nenhum do mundo. Nada se faz sem trabalho, e este por vezes é penoso, embora todo o trabalho tenha o seu prémio. Alguns dos que chegam arranjariam serviço no interior, mas esta ideia aterra-os: “o mato... é a guerra”!
Como seria bom que os barcos viessem cheios de portugueses dispostos a engrandecer a Província, e com ela a Pátria, pensando mais no que poderiam trazer a esta terra de missão, do que naquilo que dela haveriam de tirar; dispostos a trabalhar em qualquer parte, e não apenas em Luanda, com medo exagerado do “mato”, que, para os que chegam de novo, lhes aparece como prenúncio de morte. E nesta Angola... - onde uma vara que se espeta na horta a servir de estaca, sem que se queira floresce e ramifica, e se torna árvore frondosa!...
… Mas nunca – nunca! – “Árvore das Patacas”!
Angola - novembro de 1964