terça-feira, 21 de julho de 2009

Para que da Memória se faça História

Apontamentos de um soldado em África - 12
A Ti, Mãe Imaculada!
Naquele dia cinzento, a morte desferiu o seu terrível golpe. O terror desta guerra traiçoeira e cruel ria-se perante aqueles corpos despedaçados entre gritos o ranger de dentes.
Dia tremendo! Dia inolvidável na mente o no coração de quem passou por cima dessa morte sem que ela lhe fechasse as suas garras dilacerantes, para as unir ferozmente instantes depois. Mãe! Prometi não escrever essa tragédia, cópia de muitas outras que esta guerra traz ao palco do seu teatro... Mas deixa que lembre apenas esse momento impressionante e abalador que me fez trazer até aqui a Tua Imagem.
Éramos poucos. Tu sabes que bastavam algumas rajadas inimigas para que o luto mais caísse sobre nós. Urgia trabalhar eficazmente, para que a desgraça maior não fosse. Perante aquele doloroso espectáculo, a Ti se dirigiu uma invocação, naquele próprio campo de luta tingido pelo sangue. E como se fez sentir tão manifestamente o Teu auxílio! ... Quis Deus levar três dos nossos ... mas se Tu, Mãe, não estivesses connosco, ali ficaríamos, talvez, todos para sempre. E aos que partiram do nosso convívio, não deixarás de oferecer alívio para as suas almas. Naquela hora, fiz voto de realizar o pensamento que já vinha alimentando há tempo: trazer para esta terra, outrora densamente povoada, e agora só, a imagem do Teu Coração Imaculado. E aqui ficarás, então, Mãe, sem medo do terrorismo sanguinário, mostrando o Teu Coração irradiando Amor, de braços prontos a acariciar ternamente os Teus filhos arrependidos. Aqui ficarás, a abençoar a terra que tem sido campo de lutas..., teatro de ódios e de vinganças. E a Tua benção passará os montes, entrará suavemente nas matas, em melodia inebriante, e há-de tocar aquelas almas enganadas pelas ideologias falsas que ora assolam a mundo.
0 Comunismo espalhará os seus erros... Muitas nações serão aniquiladas” – anunciaste, em Fátima.
E isto se cumpriu, porque fechámos os ouvidos aos Teus pedidos de penitência; porque não quisemos orar; porque continuámos a nossa vida de comodismo e de pecado! Oh, Mãe! E ainda hoje pecamos; ainda hoje nos custa orar; ainda hoje não nos penitenciamos !... Mas, aceitai as vidas aqui sacrificadas, os sofrimentos que nos flagelam, as orações dos que ainda se lembram de Ti e de Teu Filho!
As horas que passam são horríveis. De toda a parte, notícias nos chegam que deixam conhecer a loucura do mundo, cada vez mais devastadora e cruel. Os povos lutam contra si mesmos... Há chacinas aos milhares... Matam os missionários e arrasam as missões. A humanidade parece mergulhar nas trevas por vontade própria!... Morte! Crime! Pecado! Contudo, ainda se continua a proclamar, paradoxalmente, que essa luta destruidora há-de trazer Progresso e Ordem; que esses horrores hão-de virar em Felicidade; que essa morte será fonte de Vida futura! Os povos esqueceram Deus... Não! Repudiaram-n’O!... Ao Amor, contrapuseram o ódio, no seu mais elevado e requintado grau. E há tantos que não querem compreender o que tão claro se mostra à consciência dos homens!...
Desordem no Mundo... porque ninguém quer pôr em ordem, primeiro, a sua consciência, a sua alma. E haverá sempre luta, sangue e desoladora destruição, enquanto cada um projectar para o ambiente em que vive as calamidades do seu interior, a luta do seu próprio ser com a vida desregrada que leva, as consequências dos seus pecados!...
Fica nesta terra a Tua Imagem... E ficarás com ela Tu, para sempre. Ordena para o bem a alma e o coração destes que ficarão também a ser Teus filhos... e que agora se escondem à procura do momento oportuno para desferirem os seus golpes mortais. Demove-os do crime, para a caridade; da vingança, para o perdão; da luta, para a paz. Lança através dos montes e dos vales a Tua bênção cheia de ternura, e faz com que todos nós, portugueses, brancos, pretos e mestiços, sejamos fiéis a Teu Filho – Cristo, Redentor!
Mãe!
Aqui ficarás, solícita, para que sob a força do Teu sorriso maternal, também aqui, neste cantinho de Angola, terra da minha Pátria, como em todo o mundo, o TEU IMACULADO CORAÇÃO TRIUNFE, FINALMENTE!
Beça Monteiro - Angola, Março 1964

sábado, 18 de julho de 2009

Para que da Memória se faça História

Apontamentos de um soldado em África - 11
Aos jovens
Chegou o princípio de outro mês... É altura de mandar para “Missões e Missionários” mais um destes apontamentos singelos que me comprometi a enviar para que fosse sempre mantido o contacto do nosso espírito – daqueles que se viram transportados para novas paragens, atrás de um chamamento aflito da sua amada Pátria.
Passeando, pensava, há bocadinho, na matéria que, desta vez, poderia constituir a nossa conversa. Tanto há que se podia trazer para aqui!... Horas boas... e horas más. Alegrias e dores; esperanças e desilusões; glórias... e tragédias! A guerra tem de tudo... É como um teatro imenso, onde o mundo representa ao vivo as suas peças mais variadas.
Pensava... E, não sei porquê, veio-me à mente aquela juventude que se prepara para vir até cá, a continuar a obra que outros começaram há centenas de anos; a consolidar mais e mais o sagrado nome de Portugal.
Pensei na juventude... e senti um calafrio de tristeza!... É que, na minha consciência, ao lado daquelas almas irrepreensíveis; daqueles caracteres lusitanos prontos a honrarem os seus maiores e a defenderem os lares dos seus semelhantes; daqueles corações caridosos, seguidores de Cristo, ansiosos de realizarem em toda a plenitude a vocação da terra que os tomou por filhos... apresentou-se-me essa juventude que, pejorativamente, chamam de «juventude moderna»... Esses rapazes (e raparigas) que precocemente se desligam da autoridade paterna... Esses jovens que se habituaram a olhar o mundo só pelo prisma do presente e a vê-lo segundo as suas leviandades! Muitos virão às terras de África, porque a Pátria o vai ordenar... Porque lhes vai exigir a sua parte na construção desta obra que os anteriores nos legaram e que temos de deixar incólume e mais desenvolvida aos vindouros. E estarão eles à altura de cumprir?...
Não há muito, disse o Professor Adriano Moreira: « ... do que não podemos ser perdoados, é de que a juventude que foi confiada à escola não esteja preparada para aceitar com dignidade, com coragem e com portuguesismo os desafios que o destino reservar à Nação Portuguesa».
E a preparação da juventude, para ser genuinamente portuguesa, não pode deixar de ser profundamente cristã. A acção de Portugal no mundo é uma acção missionária. Só consolidaremos o Portugal multirracial, se nos alicerces conservarmos as pedras basilares dos princípios cristãos. De resto, não estamos nós a ser campo de luta entre forças adversas, porque queremos continuar fiéis ao Portugal de Henrique e de Nun'Álvares?...
Senti tristeza ...
Porque vi alguns jovens iludidos e levianos malbaratarem essas energias que a Pátria lhes vai pedir... Porque vi uns tantos rirem-se de Cristo e de seus ministros... Porque os senti mal preparados para esta obra tão delicada e difícil! Alguns serão, chefes, terão homens a seu cargo... e arrastarão outros atrás de si! Cegos a guiarem outros cegos!...
Compete à escola, sim, formar a juventude que vem ao Ultramar. Mas pede-se urgentemente e com gravidade à Família que eduque e vigie os seus filhos, aqueles a quem a Nação há-de ser entregue nos tempos próximos. Seria para nós um grande desastre, se a juventude que embarca para África fosse aquela que desgastou o corpo e a alma pelos salões de baile, nos macabros «twists»; aquela que passou as horas livres extasiando-se perante artes imorais e lascivas; aquela que se habituou a postergar a honra e o valor supremo dos que já caíram na luta!
Admiro neste momento um quadro real de impressionante beleza e simbolismo: através da janela, veja projectada no céu azul a gloriosa Bandeira das quinas. Ao longe, por detrás dos montes Vucussos, inóspitos e escalvados, a imensa e perigosa mata Sanga espreita com a morte escondida na sua vegetação frondosa, mas traiçoeira. Há lá famílias subjugadas que temem a tropa, sob a pressão do terrorismo cruel dos bandoleiros, vivendo assim num dilema sufocante. É preciso ir buscá-las e mostrar-lhes a verdade... Mas a Verdade que o Senhor, há muitos anos, proclamou na Palestina, e que Portugal aceitou como obrigação de levar às almas que a História lhe confiou.
A Bandeira, flutuando ao vento e projectando-se no horizonte sinistro, parece querer dizer que Portugal vencerá, por fim. Mas, nunca vencerá, se o braço do soldado já vier cansado... Se a sua alma já vier empedernida pelo pecado... Se o seu coração já vier mergulhado no veneno que tem derrubado o mundo!
Angola – Fevereiro, 1964