Para que da memória se faça História
Feitos
e Factos
da
“descolonização” da Guiné – 21
Entrei o mês de Agosto a comandar interinamente o Batalhão, dado que o ten-cor cmdt havia
seguido para Bissau, a fim de entrar de licença e se ausentar, para um merecido
descanso na ainda chamada Metrópole; e por não ter chegado, entretanto, o 2º.
cmdt, major M. B., que, por sua vez, terminava o seu período de férias. O ambiente,
em Pirada, estava agora mais calmo. O soldado comando que havia sido raptado
pelo PAIGC fora, afinal, liberto, e mostrava-se em Pirada com ar de satisfação.
Mais um problema resolvido.
Em 3 de Agosto, anotava eu,
pelas 13 horas:
“Tudo tem corrido bem nestes últimos dias. Hoje é o aniversário do
PAIGC. Houve hastear da nossa Bandeira, no quartel, e da bandeira do “Partido”
na “Administração” e em casa do tal M. S. (comerciante
já referido nestas crónicas). Às 10h00 houve um pequeno e curto comício (sessão de esclarecimento) onde também estive a representar a tropa, com outro capitão”.
E acrescentava: “Estão agora a decorrer
manifestações de rua, ordeiras, sem problemas. Parece o carnaval. À tarde, há
futebol. Juventude local (PAIGC) e soldados. Oxalá tudo decorra bem”. E, na verdade, decorreu.
Pelas 3 horas da tarde,
chegou o esperado maj M. B., 2º.
Cmdt., com a notícia de que até ao fim do mês marcharíamos para Bissau,
entregando Pirada ao PAIGC. Iríamos ocupar, na capital, o quartel dos paraquedistas.
A este propósito, deixei escrito, ainda no mesmo dia, a seguinte anotação:
“Começo a ter pena desta gente. Estão tão habituados e agarrados à tropa... que a nossa saída vai ser
para eles o começo de uma nova vida, que julgo infeliz vida. Mas, é a roda da
história que não pára!”
Era um facto que o tempo
parecia acelerar-se em crescendo. Começava eu a ver goradas as minhas tão
aguardadas férias. Ninguém podia, com certeza, prever o futuro... Os
acontecimentos começavam a desenvolver-se em “bola de neve”, que na sua corrida
pelo declive da montanha ia aumentando de volume. E era esta incapacidade de
prever e controlar o futuro que nos dava cabo da cabeça e dos nervos. Apenas
sabíamos que quanto à Independência da Guiné, de Angola e de Moçambique, o Gen.
Spínola, presidente da República, tinha “reconhecido” o direito à auto
determinação e independência, e “reconhecer o direito a”... não era ainda
“reconhecer a”... Contudo, admitíamos que, quanto à Guiné, a Independência
fosse reconhecida dentro dos próximos quinze dias...
Em 4 de Agosto, registei,
pelas 22h15, o seguinte apontamento:
“Passou mais um Domingo... sem missa, sem descanso. De manhã, levantei-me às 6 horas.
Não havia água. Não fiz sequer a barba. ... Comecei logo a trabalhar. Papeis,
atender os “màmàdús” (é o nome que a gente aqui dá aos “gentes” que nos vêm
“chatear”), paigcês, etc. Às 11 horas, pus um pisa-papeis nas notas e mensagens
da minha secretária, e fui com outros, inclusivamente o major Moniz Barreto, jogar vólei. Ao meio dia,
tomei um banho, fiz a barba e fardei-me melhor: calção e meia alta (é por isso que
estou aqui à rasca com os mosquitos...) e almoçámos. Nem tive tempo de
descansar, de tarde, de “cumprir as NEP’S”. De tarde, até agora, com intervalo
para o jantar, foi a mesma vida. Nem tive tempo para ir ver a “tourada”, que ao
Domingo, normalmente, se faz aqui no “redondel” improvisado”.
E terminava, repetindo a
minha apreensão pela situação daquele povo:
“Quanto à nossa saída daqui, vai começar a processar-se. Tenho pena
desta gente. A tropa vai fazer muita falta. Mas, pode ser que não seja nada...
e até seja bom para todos.”
Infelizmente, o futuro... até
hoje, não parece ter sido pacífico, nem compensador!
Legenda: "Sessão de esclarecimento do PAIGC em Pirada"
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