sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Para que da Memória se faça História

Apontamentos de um soldado em África - 18
Às mães dos soldados
Quando aquele barco que nos trouxe deixou Lisboa, muitos lenços brancos acenaram num comovido e cruelmente doloroso adeus. Ali estavam, certamente, irmãos daqueles rapazes que partiam; ali, esposas e noivas; ali, mães, com o coração sangrando pela separação dos filhos queridos, cujo destino permanecia ainda sob o véu impenetrável do futuro incógnito e incerto. Elas viam partir para muito além do que a vista alcançava a carne da sua carne, aqueles para quem o seu carinho nunca tivera limites, o seu tesouro, a alegria da sua própria vida.
Todos sofreram ao ver partir os seus, mas, as mães, essas, irreconhecíveis na mole humana que gritava e agitadamente se despedia, não sofriam somente. Partiam com seus filhos, numa comunhão de amor e dor que jamais podia fenecer. Elas choravam, mas davam generosamente os seus filhos. Davam, porque só elas podiam compreender o grito lancinante dessa outra mãe - a Pátria. Sim, só tu, ó Mãe Portuguesa, compreendes a emergência da hora que passa, tão perigosa e tão rude, tão decisiva e tão pesada. Só o teu coração pode sentir a chaga que tão insidiosamente abriram ao teu Portugal, porque só a tua maternidade pode ser posta em paralelo com o valor de uma Pátria!
Outros navios partiram desde então, como antes também tinha já acontecido. Outros lenços brancos volitaram nos ares, outras lágrimas rolaram nas faces ternas de outras mães. E algumas dessas lágrimas... jamais deixarão de cair. A dádiva foi total!
Tenho à minha frente uma carta mal escrita de uma pobre mãe que perdeu seu filho nesta luta. Nas suas palavras, ditadas a um outro filho pequeno, transparece a dor, mas de modo nenhum se nota nelas desespero. Morreu o seu querido, como lhe chama a pobre mãe. Em casa, era um céu aberto com ele; mas, um dia, ele partiu para sempre ... Oh! Virgem Santa! Também o teu Filho amado te deixou, um dia, para nunca mais voltar... a não ser no fim dos tempos, para julgar os homens. Os pecados da humanidade pesaram-lhe em terrível fardo, e por eles foi pregado numa cruz, condenado à morte. Que mudou o mundo em dois mil anos, ó Mãe? Os crimes do homem continuam a abrir com o seu punhal odiento o peito das nossas mães, como, naquele tempo, as sete espadas de dor atravessaram o teu Coração Imaculado!...
Oh!, meu Deus! Cada vez a imoralidade parece grassar mais sobre a terra! Eis que a rádio e os jornais nos trazem horrendas notícias. Já não respeitam sequer as crianças inocentes... Vês, Senhor, essa pobre juventude abandonada ao sabor da corrente mundana?... A família deixou de ser um templo, para ser um foco de vícios! Mas, aplacai-Vos, ó Deus omnipotente e misericordioso. Se troa forte o canhão da guerra, mais forte ainda é o clamor que se eleva até Vós e que brota do coração das mães Portuguesas. Elas deram seus filhos, aquilo que para elas era tudo; aqueles por quem tanto sofreram para que viessem ao mundo. Elas continuam a ser hoje, Senhor, aquelas mulheres que Vos acompanharam no Calvário, contra a indiferença dos que se esquecem de Vós.
Quanto não deve a Pátria às mães de Portugal!... Todos falam desta guerra. Todos são juizes e se arrogam o direito de julgar, quase sempre negativamente, a conjuntura que nos cerca. Todos pensam trazer em seu bolso a solução para os graves problemas que nos afligem. Mas, só a mãe Portuguesa, que sente a guerra na sua própria carne; só a mãe Portuguesa, que é bem a encarnação da Pátria; só a mãe portuguesa, que seus filhos dá em sacrifício, permanece na verdadeira consciência desta guerra. E ela não desespera, não blasfema, não se revolta. A sua dor é enorme, mas é maior a sua nobreza. A perda dos filhos que morrem é incomensurável, mas a sua alma não sente o vazio e o remorso dos que fogem espicaçados pela traição ou simplesmente por cobardia. .
Continua a mãe, na sua carta humilde, que já atrás referi:
«O meu querido filho nunca poderá ser esquecido. Tenho desgosto de estar tão longe e de não poder visitar a sua campa. Gostei muito de saber que houve homenagem e missa por alma de todos os que têm a infelicidade de aí ficarem caídos pela Pátria».
Oh!, Mãe humilde, mas de coração tão rico! Não!... O teu filho nunca ficará esquecido, porque a Pátria, como tu, sempre o terá presente no seu peito!
Honra, glória e gratidão, a vós todas, ó mães dos soldados de Portugal, que, como naquele ano de 1918, em que tanto sofrestes pelos flagelos da guerra, sustentais as colunas da Pátria com o clamor das vossas orações, e dais alento a nós, vossos filhos, para defendermos o solo sagrado da Pátria lusitana. Deixai falar os ímpios e os traidores. A sua voz é vento que passa, mas esse clamor que se expande das vossas almas é força e vida, e chegará solícito e agradável aos céus. Há-de ecoar para todo a sempre, na História, e na Eternidade de Deus.
Angola Setembro - 1964

1 comentário:

Anónimo disse...
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