sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Para que da Memória se faça História

Apontamentos de um soldado em África - 17
O Sol desponta novamente
O Povo sabe que a guerra ainda dura em Angola... como em toda a parte... em todo o mundo! Sim. É uma guerra total, ideológica, de civilizações. Total, embora se pretenda situá-la em alguns pontos geográficos exclusivos; ideológica, ainda que as armas nela vomitem metralha; de civilizações, mesmo individualizada em povos ou nações. É uma guerra de sobrevivência: a civilização cristã resistindo às arremetidas dos materialistas utópicos - do anti-Cristo - que pretendem fundar uma paz longínqua (a “paz dos mil anos”) sobre alicerces de sangue.
Foi esta guerra que sobre nós se abateu em 1961, como sobre outras nações, antes ou depois, em obediência a planos revolucionários desde há muito concebidos para dominação do Mundo. Passámos momentos difíceis, mas depois da noite escura e sangrenta daquele Março e dos tempos mais ou menos cruéis que se seguiram, começa a despontar o sol novamente... O sol radiante da paz e do amor, do progresso e da ordem, da salvação social e da reconquista espiritual, não obstante alguns bandoleiros ainda permanecerem acoitados em alguns pontos de difícil acesso, prontos a desferirem os seus golpes fatais, quais feras mortalmente atingidas lançando o ataque do desespero final.
Poderão dizer que o terrorismo ainda não foi completamente exterminado, e que bandos de facínoras se treinam no exterior para prorrogarem a luta. Mas, este sol que desponta aquecerá todos os corações, e o banditismo morrerá à míngua de apoio por parte das populações. Estas, experimentadas por uma terrível e dura prova, não mais alimentarão outro desejo que não seja o de continuarem a ser portuguesas e de mais engrandecerem a sua terra de Angola - Portugal.
A guerra continua... Mas à guerra das armas segue-se uma guerra de acção social e espiritual.
Há tempos, encontrei um capelão militar que fundou nesta Província uma Missão de Leigos: o célebre jesuíta Rev. Pe. Manuel Pires da Silva. Contou-me ele que, em determinada região, onde, antes, os nativos fugiam aos missionários religiosos, os leigos começaram a penetrar e habilmente cativaram as simpatias daquela gente atemorizada, através de ensinamentos diversos e interessantes. Daí à catequese, não foi muito, e assim se abriu para aquele povo desconfiado o caminho da luz cristã. Em muitos outros pontos, embora não com tão esmerada organização, se está a exercer também acção meritória através de elementos militares, chegando a haver casos de ensino técnico profissional.
O Dr. Pinheiro da Silva, Secretário Provincial para a Educação, tem desenvolvido notável trabalho no campo escolar, destacando-se, em particular, a obra das cantinas, inovação que muito veio trazer de bem à juventude angolana. É com grande consolação que se verifica o maior êxito nas suas visitas por terras onde o terrorismo dominou, e que agora são iluminadas por este sol novo do ressurgimento angolano. Os Estudos Gerais Universitários são uma prova convincente desse renascer das cinzas. Não foi em vão que esse português teimoso sulcou as águas, deixando para trás tudo o que tinha de seu e de mais amado, e de armas na mão aqui velo lutar... e morrer. Não foi em vão, e não o será persistir ainda nessa luta que nos travam, e onde quer que ela rebente. Os braços que seguram as espingardas também saberão sustentar a Cruz, e hão-de levantá-la sempre bem alto, como o fizeram os portugueses teimosos de antanho. E as vidas em holocausto dos que caem pela Pátria, aos golpes traiçoeiros do inimigo, são bem o grito da generosidade do Povo Lusitano.
A Nação, ferida, saberá levantar-se e retomar com mais vigor a sua vocação histórica. Um povo que é experimentado pelo sangue derramado na luta, ganha uma nova vitalidade. A guerra que sobre nós caiu ainda dura! Na Guiné e em Angola, o inimigo ainda espreita e ataca. Mas um ar fresco de manhã primaveril se faz sentir depois de uma noite escura e tremenda. O sol da caridade de Cristo desponta novamente, e rasga as trevas do ódio, que perverte as almas.
Angola – Agosto de 1964

Sem comentários: