quinta-feira, 19 de maio de 2011

Para que da Memória se faça História

A caça aos búfalos...

Hoje, há uma grande propensão intencional em falar da nossa “guerra de África”, explorando apenas os seus lados negativos.

Bem sabemos que a Guerra, qualquer guerra, como dizia Vieira, - É ... aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta”...

Mas quando falamos do esforço pelas armas que Portugal suportou no Ultramar Português, de 1961 a 1974, não é para fazer a apologia da guerra em si, ou seja, da guerra pela guerra, mas para caracterizar o fenómeno humano vivido por tanta da nossa juventude em circunstâncias de particular sacrifício e de doação por ideais alimentados por uma cultura sócio-histórica onde radicam os valores que definem o conceito de Pátria.

E é sob este prisma que apreciamos este período muito particular da nossa história recente, de que as gerações mais novas apenas ouvem falar de modo enviesado, com conhecimento, só, do que “interessa” contar de modo ponderado pela ideologia do narrador. Pena é que, ainda hoje, não se possa falar verdade e sem paixão sobre este período tão importante que se viveu, e que, o que nos vai chegando por várias fontes – muitas! –, traga geralmente a marca de ideologias politicas ainda remanescentes, ou visem apenas o sensacionalismo e, com ele, o lucro editorial dos relatos.

Ora, atentemos neste testemunho, que respigámos de uma citação do insuspeito Alm. Rosa Coutinho, em artigo do Coronel Ref Manuel Bernardo:

(…) Quando a guerra colonial começou em Angola, com os massacres da UPA, em Março de 1961, se Salazar tivesse feito um referendo nacional sobre a questão de mandar tropas para lá, teria conseguido o apoio popular. (…) Cfr Alm. Rosa Coutinho, em 1994, in “Memórias da Rev.” , 2004.

É assim: uma coisa são os factos reais, outra o que se pensa, a posteriori, como deviam ser.

Uma coisa é a guerra e as suas motivações, justas ou injustas, outra é o seu decurso – o palco da luta, ou seja, o “teatro da guerra”, o seu desenrolar, independentemente do resultado final. E é aqui que surgem os actores, com feitos e com defeitos.

Os militares portugueses nas antigas províncias ultramarinas cumpriram, a mal ou a bem, uma missão de Estado, de soberania, patriótica. O período passado em África, geralmente garantindo a segurança de uma zona de acção em sistema de quadrícula, teve momentos bons e momentos maus, e uns e outros se recordam hoje, muitas vezes com saudade, ou dor. É um destes episódios que hoje aqui fica para a memória.

Estávamos aquartelados, em Moçambique, no distrito de Manica e Sofala, numa posição junto do rio Zambeze. Era uma zona sem problemas de guerrilha, na altura, e a nossa missão resumia-se a patrulhamentos de vigilância e apoio das populações. Era também uma região de muita caça, embora a Venatória já aí exercesse autoridade repressiva. A caça grossa, para reforço da alimentação da tropa, fazia-se de quando em vez, com as devidas precauções e regras, quase sempre de noite, com ajuda de farolim de cabeça.

Em certa ocasião, saímos com algumas viaturas, já noite adiantada, a ver o que dava... Eis senão quando se depara à nossa frente, em pleno mato, uma grande quantidade de luzeiros brilhantes, à medida que os focos de cabeça varriam a escuridão circundante. Todos gritaram: - São búfalos! E quem foi capaz de segurar aquela malta que constituía a “força” em presença?... Rompeu um ruidoso tiroteio. Os búfalos debandaram em tropel. Um deles ficou, atingido mortalmente. Que grande bicho!...

Seguiram-se as operações de recolha, com auxílio do guincho de uma berliet, passado o cabo respectivo por cima dum forte ramo de árvore vizinha, e carregou-se o produto da caçada.

A madrugada percorria o seu curso em direcção à alvorada, que já estava próxima.

Chegámos, de regresso, ao aquartelamento pelas 4 horas da manhã, já o dia despontava no horizonte. Logo cedo, o magarefe da Companhia, procedeu ao desmantelamento da peça, e o pessoal teve carne para tirar a barriga de misérias durante alguns dias.

E por um certo tempo se manteve a cabeça do cornudo, sobre um bidão, à entrada do quartel, em jeito de sentinela, como que a perguntar... – Quem vem lá?!...

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