Feitos e Factos
da “descolonização” da Guiné – 8
Vou continuar a deixar por
aqui alguns apontamentos desta nossa história recente. Sirvo-me do apoio da
“memória”, mas reconheço que com o passar dos anos a memória vai apenas
deixando salientes os factos que mais nos marcaram, e esses persistem no
“arquivo” como luzeiros que depois nos puxam outras lembranças já atiradas para
o chamado “arquivo morto”, ou “inactivo” – o subconsciente e o inconsciente.
Corremos também o perigo de
sermos atraiçoados pela “nossa” memória, e, quando trazemos à sua ribalta
alguma recordação, as imagens arquivadas podem induzir-nos em erro, ou, como
nos sonhos, desfigurarem a realidade e nos levarem a tomar como verdade o que
apenas é semelhante ou aparente.
Descrever a História, não é
coisa fácil. Dificilmente o historiador – aquele que investiga e conta os
factos da História – diz a verdade factual. Porquê? Porque ao arrumar todas as
pedrinhas da descoberta para interpretar a construção feita, fica ele refém da
sua formação intelectual, moral e ideológica, e, assim, a sua personalidade
influencia as conclusões a que chega. Pode ser sua convicção que os factos
sejam “assim”, mas também pode a realidade ser “de outro modo”.
Edgar Morin dá-nos exemplo
disso, por experiência própria, no início da sua obra “As grandes questões do
nosso tempo”, quando é confrontado a
testemunhar um acidente de automóvel, num cruzamento onde ele aguardava que o
semáforo, em vermelho, passasse a verde, para continuar o percurso que
seguia... Afirmava ele “a pés juntos” que a ocorrência – que tinha visto -
tinha sido como descrevia, mas – perplexidade sua! – ficou provado que tudo se
tinha processado de outro modo.
É assim. Todos temos
experiência pessoal de que não só “a memória nos atraiçoa”, como também a nossa
visão (não é só no deserto que podemos ter miragens...). É por isso que para
escrever estes apontamentos me vou socorrendo, não do que foi “escrito na
pedra”, mas da correspondência familiar que fui mantendo... – uma verdadeira
“fonte da História”.
Pois bem. E então o que
descobri, e disso já a memória me ia ficando envolta em nevoeiro (a idade não
perdoa! – dizia-me há tempos um muito amigo meu)? Vou transcrever,
textualmente, de uma carta de 7 de Junho de 1974, escrita aquando do meu
percurso de Bissau até ao meu destino:
... “E, assim, aqui chegámos, para continuar amanhã, talvez, ou Domingo,
mas talvez seja mesmo amanhã, até Pirada. Aqui, em Nova Lamego, estamos no
quartel de um batalhão. Boas instalações. A cidade é mais à frente, e há lá
mais tropa. Encontrei aqui dois soldados que foram meus recrutas no GACA 3 e um
cabo, o da messe, que era lá estofador. Encontro também aqui um alferes de
Fufim, que parece é ainda sobrinho do Sr. Elísio. Dá-se com o Barbosa. Foi meu
aluno de ginástica no Colégio, em 1965. Chama-se Ribeiro dos Santos. É família
dos Costas da Santa Marinha e dos Cavadas de Fufim” (sic).
Como o mundo é pequeno!...
E como este Portugal de então era tão grande no espaço, e tão próximo nas almas!...
Mas há mais: já regressado a esta nossa terra, longe dos cenários da guerra,
tornei a encontrar o “Alferes” Ribeiro dos Santos – o Dr. Ribeiro dos Santos,
agora meu vizinho e prezado amigo. Fui catequista dos filhos, e muito prezo a
consideração mútua com esta família. Este nosso encontro nas longínquas
paragens da Guiné, dessa martirizada Guiné que foi terra de Portugal, havia, de
facto, ficado escrito na “pedra” do papel, para que a Memória o não deixasse no
olvido dos tempos.
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