sexta-feira, 6 de julho de 2012

Para que da memória se faça História


Feitos e Factos
da “descolonização” da Guiné – 8


Vou continuar a deixar por aqui alguns apontamentos desta nossa história recente. Sirvo-me do apoio da “memória”, mas reconheço que com o passar dos anos a memória vai apenas deixando salientes os factos que mais nos marcaram, e esses persistem no “arquivo” como luzeiros que depois nos puxam outras lembranças já atiradas para o chamado “arquivo morto”, ou “inactivo” – o subconsciente e o inconsciente.
Corremos também o perigo de sermos atraiçoados pela “nossa” memória, e, quando trazemos à sua ribalta alguma recordação, as imagens arquivadas podem induzir-nos em erro, ou, como nos sonhos, desfigurarem a realidade e nos levarem a tomar como verdade o que apenas é semelhante ou aparente.
Descrever a História, não é coisa fácil. Dificilmente o historiador – aquele que investiga e conta os factos da História – diz a verdade factual. Porquê? Porque ao arrumar todas as pedrinhas da descoberta para interpretar a construção feita, fica ele refém da sua formação intelectual, moral e ideológica, e, assim, a sua personalidade influencia as conclusões a que chega. Pode ser sua convicção que os factos sejam “assim”, mas também pode a realidade ser “de outro modo”.
Edgar Morin dá-nos exemplo disso, por experiência própria, no início da sua obra “As grandes questões do nosso tempo”, quando é confrontado a testemunhar um acidente de automóvel, num cruzamento onde ele aguardava que o semáforo, em vermelho, passasse a verde, para continuar o percurso que seguia... Afirmava ele “a pés juntos” que a ocorrência – que tinha visto - tinha sido como descrevia, mas – perplexidade sua! – ficou provado que tudo se tinha processado de outro modo.
É assim. Todos temos experiência pessoal de que não só “a memória nos atraiçoa”, como também a nossa visão (não é só no deserto que podemos ter miragens...). É por isso que para escrever estes apontamentos me vou socorrendo, não do que foi “escrito na pedra”, mas da correspondência familiar que fui mantendo... – uma verdadeira “fonte da História”.
Pois bem. E então o que descobri, e disso já a memória me ia ficando envolta em nevoeiro (a idade não perdoa! – dizia-me há tempos um muito amigo meu)? Vou transcrever, textualmente, de uma carta de 7 de Junho de 1974, escrita aquando do meu percurso de Bissau até ao meu destino:
... “E, assim, aqui chegámos, para continuar amanhã, talvez, ou Domingo, mas talvez seja mesmo amanhã, até Pirada. Aqui, em Nova Lamego, estamos no quartel de um batalhão. Boas instalações. A cidade é mais à frente, e há lá mais tropa. Encontrei aqui dois soldados que foram meus recrutas no GACA 3 e um cabo, o da messe, que era lá estofador. Encontro também aqui um alferes de Fufim, que parece é ainda sobrinho do Sr. Elísio. Dá-se com o Barbosa. Foi meu aluno de ginástica no Colégio, em 1965. Chama-se Ribeiro dos Santos. É família dos Costas da Santa Marinha e dos Cavadas de Fufim” (sic).
Como o mundo é pequeno!... E como este Portugal de então era tão grande no espaço, e tão próximo nas almas!... Mas há mais: já regressado a esta nossa terra, longe dos cenários da guerra, tornei a encontrar o “Alferes” Ribeiro dos Santos – o Dr. Ribeiro dos Santos, agora meu vizinho e prezado amigo. Fui catequista dos filhos, e muito prezo a consideração mútua com esta família. Este nosso encontro nas longínquas paragens da Guiné, dessa martirizada Guiné que foi terra de Portugal, havia, de facto, ficado escrito na “pedra” do papel, para que a Memória o não deixasse no olvido dos tempos. 

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