Feitos e Factos
da “descolonização” da Guiné – 19
Em carta de 26 de Julho de
74, ainda eu admitia a nossa saída da Guiné por alturas do fim do ano em curso.
Eis o apontamento, de circunstância:
“Hoje fui a Paúnca. 1 hora
de Berliet, daqui até lá. Fui com o comandante e mais dois alferes, um dos
quais, sobrinho do Sr. “Marques”
de Perosinho (o
Alferes Fernandes, de Transmissões).
Saímos às 7 e pouco da manhã. Depois, de lá ainda fomos, ou melhor, fui eu, num
unimog que ia levar uns “camaradas” do PAIGC a uma outra aldeia nativa, a ½
hora de caminho. Almoçámos em Paúnca. Cabrito com batatas fritas, arroz branco
e ervilhas. Vinho verde, Casal Garcia. Estava tudo muito bom. Comi bem,
soube-nos melhor”. Só que... (ver apontamento
mais abaixo)
“Julga-se que este (o nosso) Batalhão irá embora no princípio do ano que vem. (...) Também estamos a
contar que o mais tardar em Outubro sairemos daqui, talvez para perto de
Bissau”. (Mas, de facto, tudo acelerou
depois... Como veremos, na oportunidade, os prazos foram encurtando... Na noite
de 14 para 15 de Outubro, embarcaram os últimos militares em lanchas de
desembarque, a caminho do Niassa, no alto mar.)
No dia seguinte, anotei
mais:
“Sábado, 22h35. Hoje de manhã fui assistir à travessia de um riacho, que
agora com as chuvas que têm caído, cortou a estrada que liga a Bajocunda. Só se
pode passar de barco. Aproveitei para tirar uns “slides”, pois o acontecimento
prestava-se a isso. Tem chovido bastante nestes últimos dias”.
Mas nem tudo eram rosas...
A situação de “stress” que se vivia, e a
alimentação nem sempre adequada, não eram condição que assegurasse
tranquilidade na saúde. Saibamos porquê:
“Hoje, a partir do ½ dia, tive uma forte indisposição de estômago, que
me provocou também fortes dores de cabeça. Tomei sais de frutos... Nada!
Faltava-me a Alka-Seltzer. À tarde, depois das 5, fui-me deitar um bocado.
Depois, vomitei, na casa de banho, e fiquei mais aliviado; a dor de cabeça
passou-me. Ainda deviam ser os restos do cabrito de ontem, que comi em Paúnca, que andavam cá dentro
aos saltos”.
Mas as complicações não
ficavam por aqui... Mais adiante no meu escrito, deixei mais este apontamento:
“Há bocado... recomecei este aero, e tornei a interromper, pois apareceu
aqui o cmdt a conversar sobre um novo problema que hoje surgiu. São agora ½
noite e dez. O problema (estão sempre a surgir;
soluciona-se um e aparece outro) é o seguinte: apareceu aqui
há dias aquele soldado dos Comandos, preto, a tirar satisfações por causa do
irmão... (o milícia que o PAIGC tem
retido). O
irmão, mais tarde, apareceu fardado de PAIGC e a dizer que queria ficar lá no
Partido. O “comando” ficou satisfeito por ver o irmão e o problema ficou resolvido. Mas
parece que durante esta semana andou para aí a incitar os milícias contra o PAIGC. E
hoje o PAIGC lhe terá “deitado a luva”. Mais um problema, pois o tipo é militar e isto levanta um problema
sério. Já
tínhamos chamado de Bissau um major (do QG) para vir de avião a fim de
levar o tal “comando”. Deve chegar amanhã. Agora, com este procedimento do
PAIGC, a coisa complica-se um pouco. Paciência. Deus dará solução para mais
este caso”.
Simplesmente, no dia seguinte,
o tal interlocutor “oficial” de Bissau, não apareceu.
Mas deixemos a continuação
deste desgastante episódio para a próxima crónica...
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