quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Para que da Memória se faça História
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
A Coragem de Viver
Já lá vão cerca de dois anos, vi, numa papelaria desta minha terra, exposto um livro que, pelo seu título, me chamou a atenção. Peguei nele, folheei-o, li algumas pequenas passagens, e fiquei logo impressionado pelo seu conteúdo. Adquiri-o, e li-o todo com ávido interesse.
Simplesmente impressionante! Coragem de viver!... Sem dúvida, mas também testemunho de muito amor e dedicação dos protagonistas... Familiar e profissional.
Uma menina que nasceu num parto difícil, e, por isso, ficou marcada com deficiências físicas, motoras, para toda a vida.
Uma família exemplar, com os progenitores a dedicarem-se, devotamente, a sua filha, para que ela conseguisse usufruir a melhor qualidade de vida, tanto no campo da saúde como no âmbito da sua educação e formação integral (felizmente, a criança não tinha ficado com sequelas nos seus dotes de inteligência).
Um médico, que a cerca de duas centenas de quilómetros de distância, se empenhou totalmente a multiplicar os cuidados e a dilatar a esperança de um futuro promissor para a sua paciente. Exemplo de abnegação pessoal e de muita competência profissional e humana.
Depois... O dedo do Altíssimo a desenhar o percurso de tudo isto na vida atribulada da menina! Os acontecimentos «misteriosos» de que se serviu o Espírito, para guiar por mão sobrenatural os passos desta família! O lugar privilegiado onde se acendeu um farol de esperança, que veio iluminar o caminho a percorrer (capela da Senhora da Saúde, nos Carvalhos). Nada acontece por acaso, neste mundo. O que é preciso é estarmos atentos e disponíveis, para, no momento certo, reconhecer os sinais de Deus.
Não temos qualquer intuito publicitário na divulgação desta obra. Contudo, achamos que «A Coragem de Viver» é um autêntico Evangelho de vida, uma Boa Nova de salvação para todos os que desesperam dos seus dias mais ou menos dolorosos, mas sobretudo uma voz gritante contra aqueles que propagandeiam o aborto e a eutanásia como solução para a falta de coragem para viver e abraçar o sofrimento, que polarizado na Cruz de Jesus Cristo, é caminho de redenção e de felicidade eterna.
Não se pode ler este livro, esta autobiografia, sem verter, de quando em vez, algumas lágrimas... É este, outro condão que o escrito possui – penetrar até ao íntimo mais profundo de nós mesmos e amolecer o nosso coração petrificado pelas nossas auto-suficiências, pelo nosso edonismo ávido de prazeres, pela nossa insensibilidade diante do sofrimento alheio.
Susana Santos... não é uma «deficiente»! Susana Santos é uma heróína, como heróis são os seus pais e o médico que a tem acompanhado no seu longo calvário de dor.
A Susana, uma jovem de 31 anos de idade, foi aluna da Escola Preparatória P. António Luís Moreira, e cursou a faculdade de economia da Universidade do Porto. Há dias, encontrei-a com seu pai, num supermercado desta nossa terra. Não pude resistir a manifestar-lhes a minha gratidão pelo seu testemunho de vida. E o facto de trazer hoje, a estas páginas, este apontamento, apenas se deve à vontade de lhe prestar pública homenagem, e de bradar bem alto a todos os que isto possam ler, nestes momentos de crise colectiva que atravessamos, que, apesar de tudo, a Vida tem um valor infinito que é preciso defender e preservar, e que, contra todos os seus detractores e contra os profetas da desesperança, importa nunca perder, como todas as Susanas deste Mundo, a «Coragem de Viver».
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Para que da Memória se faça História
Para que da Memória se faça História
Apontamentos de um soldado em África 5Soldados de batina branca
Eram seis e meia da tarde, a passar, já. A noite, vencendo o receio do crepúsculo, começava a cobrir tudo em volta. A sineta daquela cruz tosca, feita de dois troncos de árvore, acabara de tocar as últimas badaladas. Ia começar a devoção do terço à Mãe Imaculada... o acto pleno de beleza e de singular conforto espiritual do Mês de Maria. No altar daquela capelinha tão simples e humilde, construída com ramos de palmeira, presidia a Rainha Santa Isabel, numa homenagem dos soldados de Coimbra. Duas Rainhas a velarem pela mesma Pátria amada!... A oração começara, cheia de entusiasmo. Aos mistérios, elevam-se maviosos cânticos, que nos fazem sentir saudade e comoção. Saudade das mesmas cerimónias da terra natal – tão distante; comoção por aquele brotar de paz e louvor em terras que o ódio dilacerou e que olhos traiçoeiros vigiam. O clamor daqueles soldados corria os ares. Talvez penetrasse por entre essas matas onde o perigo se esconde na frondosa vegetação... Talvez tocasse aqueles montes tão imponentes como inóspitos que avultam no horizonte! E se essa mensagem de amor conseguisse mover, no caminho, os corações dos que foram pervertidos... Se a solicitude da Mãe do Céu vencesse a dureza daquelas almas... Um dia, que Deus fará, elas ouvirão a Sua voz maternal... porque o Seu Coração há-de triunfar, finalmente! - Eles já estão arrependidos - dizem os nativos que aqui vivem sossegadamente.- Eles passam mal, por lá. O preto não presta... O preto, na mata, apanha doença e morre – acrescentam. E tantos foram, na ilusão maligna! De rica e densamente povoada, esta terra maravilhosa - este nosso novo poiso... - é hoje encontrada num abandono infecundo. E a devoção continuava, fremente, sincera, filial... ... Pelos soldados, que à guerra vão, Senhora, escuta nossa oração! Aproveitando o ensejo deste piedoso acto, queria hoje dedicar as minhas palavras a uma certa classe de soldados, às vezes esquecida entre os feitos barulhentos das armas bélicas. Esquecida, talvez porque as suas armas por de mais silenciosas para uma guerra de tiros, mas sumamente eficazes e oportunas para os que, mesmo nas lutas sangrentas, não deixam de sentir a necessidade de combater nas guerras da alma... De organizar a defesa contra a concupiscência feroz, contra o desespero aviltante, que nas horas de insegurança e desconforto armam perigosas ciladas ao espírito do homem. Abnegados, voluntários no sacrifício, eles, esses soldados de batina branca - os bravos capelães militares -, deixaram tudo, ao chamamento da consciência, entregando-se com toda a sua alma ao serviço da Pátria, e por ela servem às almas e a Deus. Incompreendidos, por vezes, mal queridos, em tantas outras, eles sujeitaram-se a uma vida cheia de contrariedades e privações, tocando, em algumas ocasiões, o limiar da amargura… Apenas porque ouviram o brado aflitivo de tantas almas que foram tiradas ao afago terno do lar, que deixaram de ter presente a força espiritual da sua igreja, que viram ficar para trás o seu ambiente normal entre os amigos e as coisas queridas. Deixaram tudo, porque a Nação lhes pediu: - Vinde, que de vós preciso! -; porque o Senhor lhes disse, no seu foro íntimo: - A missão é nobre... Caminhai! E ei-los por essa África escaldante a defender as almas dos heróicos militares, para que estes possam vencer as condições hostis a que o dever os trouxe, e empenhem todo o seu valor na luta contra o mal que o príncipe das trevas espalhou nesta terra de promissão... Para que eles encontrem, na hora derradeira - aqueles a quem Deus chamar no campo da honra - uma palavra de confiança, que lhes fortifique a fé, uma chama de amor que lhes traga o arrependimento submisso, e lhes abra, no perdão, as portas da Eternidade. Momentos inesquecíveis e gloriosos, esses que o padre vive - apesar de humanamente tristes - quando em seus braços entrega a alma a Deus, o soldado que perece no cumprimento do sagrado dever! Soldados de batina branca!... Podeis vê-los no altar, celebrando o Santo Sacrifício antes das lutas; ouvindo as confidências dos rapazes; perdoando as suas misérias; de fato de combate, indistinguíveis entre os mais sujos e esforçados atiradores, penetrando nas matas e no capim, abraçados pelo perigo, mas confiando na Providência, para que os últimos sacramentos não faltem ao ferido de golpe mortal, ou mesmo ao inimigo, moribundo, arrependido. Podeis vê-los, ainda, entre as populações pacíficas e laboriosas, acalentando, ensinando... missionando! Não são desconhecidas as obras de engrandecimento social que os capelães militares têm desenvolvido entre as populações nativas. Os jornais proclamam-nas sem rebuços. Há tempos, numa patrulha de reconhecimento feita a um monte próximo, o capelão acompanhou-nos. De espingarda em punho - que pedira a um soldado para esse mesmo fim - ele tomou também a dianteira, a abrir caminho por entre o capim espesso que nos passava muito acima. Subiu, e cansou-se, como nós; comeu da mesma conserva; e foi até cuspido da viatura em que seguia, quando esta, num desnível de terreno, se voltou. No fim de tudo, apenas se preocupava com a hora de regresso, porque tinha ainda o breviário para rezar!... Inúmeros são os exemplos que eles dão nesta Angola, para uma verdadeira gesta; sem conta as vezes que, plena refrega, ouviram assobiar por sobre a cabeça as balas assassinas. Bravos soldados da Paz, nesta guerra insidiosa que o mundo nos levanta traiçoeiramente! Gloriosa, a página que na História inseris! A Pátria vos agradecerá por todo o sempre, e serão fecundos os frutos que espalhais! Sempre vos ficará bem a farda do nosso valoroso Exército, e nas suas fileiras jamais destoará a alvura da vossa batina, onde se pode reflectir, sempre com fulgor, o verde rubro da nossa Bandeira! O acto piedoso ia terminar. De frente para os seus rapazes, o padre capelão incutia-lhes no espírito um novo alento, através das suas palavras cheias de caridade. Mais um dia de trabalho chegara ao fim, e eles iam recolher à caserna, em busca do merecido descanso, com a alma mais tranquila, de coração entregue a Maria, Mãe de Deus. A capelinha ficou vazia, mas naqueles montes distantes... ainda ecoavam os doces cantares do mês de Maio... ... Enquanto houver portugueses, Tu serás o seu amor... O seu amor!...
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Para que da Memória se faça História
Apontamentos de um soldado em África - 4
Maneiras de ser
A coluna havia partido, de Ambrizete, já tarde, rumo a Tomboco. A noite não se fez, por isso, rogada, e em pouco tempo tomou conta de todo o céu. Numa viatura à frente da minha, ia o homenzito que o Chefe de Posto pedira para transportar. Tratava-se de um doente que há tempos viera à vila, a tentar curar-se de uma tuberculose. Agora, alimentava o desejo de visitar a família... As instâncias do Chefe de Posto levaram-me a conceder a «boleia» àquele pobre homem. Do seu corpo quase só restavam os ossos e a pele, e era a custo que conseguia mover-se. Impressionou-me, quando o vi, mas conseguiu subir para o carro, e lá se acomodou entre os soldados.
A estrada, de terra batida e deficiente, fazia com que as viaturas sofressem uma contínua trepidação. Lembrei-me daquele doente; ainda pensei mudá-lo para o meu lugar, mas não levei em frente esse reflexo de consciência...
Andámos mais alguns quilómetros, e as viaturas pararam. Procurei o motivo: era o homenzito que entrava em agonia. Pobre preto! Senti uma pancada dura e contundente no meu coração; uma espécie de remorso quase a dilacerar-me a alma. Depois, vi que, afinal, o homem não vinha muito mal instalado. Os soldados haviam-lhe emprestado uns cobertores que lhe vinham a servir de assento. Mas não possuíra forças para muito viver. Ele próprio tivera dito momentos antes que iria morrer naquele dia... Interpretara perfeitamente a sua fraqueza física.
Estendido no chão, em plena noite e em sítio ermo da «picada», a sua alma tomava o caminho da Eternidade. Diante daquele corpo a dar as últimas da vida, senti-me embaraçado. Ele ia morrer sem uma palavra de conforto, sem um alento espiritual?... Debruçados sobre o homem, como que a tentar encontrar, para segurar, algum sopro vivificador, começávamos a sentir pesado o ambiente que nos cercava. Sentia uma tirana tensão na consciência... Era o primeiro caso que naquele género me aparecia pela frente!
De repente, o Chefe de Posto (antigo seminarista), que nos acompanhava na viagem, quebrou aquele estado de tensão psicológica. Levantou a dúvida sobre se o homem seria baptizado. Como ninguém tinha a certeza (mais tarde vim a saber que era pagão, embora trouxesse ao peito uma medalha de Nossa Senhora) resolveu administrar-lhe o baptismo, sob condição, na esperança de o homem se encontrar ainda com algum sopro de vida. Tomando um cantil, despejou um pouco de água sobre aquela negra cabeça, e proferiu as palavras da fórmula baptismal. Enviei a Deus uma curta oração por aquela alma que partia...
Importava prosseguir, e a coluna continuou a marcha, transportando, à mesma, aquele homem que, agora, não passava de cadáver. Não ia sentado como antes, mas estendido, hirto, com as mãos sobre o peito.
Cerca das vinte e três horas, chegámos à aldeia onde o defunto tinha gente de família. O Chefe de Posto, que viera mais adiantado à coluna, avisara o «povo» do acontecido. Quando lá chegámos, já todos esperavam aquele que não tinha conseguido aguentar o tempo suficiente para os visitar com vida. Parecia uma procissão de velas, tal o elevado número de pessoas que ali fora, com lanternas a iluminar o caminho.
Parámos. E quando se acercaram do defunto, algumas mulheres começaram a lançar ao ar gritos estranhos, e - os braços levantados - davam pequenos passos para a frente e para trás, numa espécie de dança que me deixava cheio de confusão e de espanto. Parecia-me que tudo aquilo era uma festa... Fiquei com a impressão de que causara alegria, a presença de tão tétrico facto.
Vi, depois, que uma das mulheres, ao chegar-se junto de nós para ouvir contar como se tinham passado as coisas, trazia o rosto lavado em lágrimas. E, observando melhor, notei que em todas as faces se estampava, afinal, uma profunda tristeza. Estranha maneira de exprimir a dor! Ao fim e ao cabo, os seus sentimentos são bem arreigados e sólidos!
Se penetrarmos um pouco na vida desta gente, encontraremos muitos outros motivos que, a princípio, nos deixarão de certo modo perplexos, mas que logo compreenderemos, se tivermos um pouco de boa vontade e a sinceridade não for estranha ao nosso espírito.
Diante deste povo, deparamos com um modo de vida sui generis, que se impõe respeitar... Não podemos alimentar a utopia de substituir uma civilização por outra, mas antes proceder a uma natural e mútua assimilação das culturas, aceitando o que os africanos têm de si próprios, desde que essas realidades não colidam com os nossos princípios cristãos e patrióticos. Lentamente, eles deixarão então os hábitos que, em face da nossa maneira de ser, começam a encontrar obsoletos. Às vezes fazem-no até depressa de mais... E também nos choca ver que eles adoptam os nossos processos e as nossas coisas sem estarem devidamente preparados para elas. Mas isso demonstra o natural desejo que têm de se aproximarem dos nossos costumes, e, se aproveitarmos este fluxo da sua personalidade e lhe dermos uma orientação cuidadosa e inteligente, poderemos então ter a certeza de que fazemos civilização, trazendo até nós aqueles que através de muitos anos procurámos arrancar ao primitivismo.
Quer nos admiremos ante a esquisita dança fúnebre, ou achemos graça à criancita que a mãe transporta amarrada às costas, com a qual trabalha nas lavras que diariamente trata com esmero; quer encontremos primitivismo no facto de ver as mulheres fumarem o seu tabaco, e com a lume para dentro da boca... (à excepção deste particular, parece que na sociedade civilizada se pretende voltar a esse estádio da vida…), ou achemos atrasado, mas típico, o moer da mandioca num grande almofariz feito de tronco de árvore, não nos podemos esquecer que estes são os nossas irmãos portugueses do Ultramar. Mas há muitos que o esquecem... Talvez porque julgavam que no mundo não se vivia de outra maneira além daquela que estavam habituados a ver em redor da sua casa de pedra o cal, ou porque, então, receberam, com a luz da civilização que os envolve, a escuridão do mal o do pecado, que infelizmente grassa por toda a parte onde houver vida de gente.
Mas nós acreditamos na vocação lusitana, iniciada há muitos séculos, abençoada pelo Senhor a quem têm de obedecer os universos, confirmada pela Senhora branca de Fátima, e que, finalmente, a história há-de provar, contra as insídias do príncipe das trevas, que encontram bom acolhimento nos corações pouco avisados. Acreditamos!
Para que da Memória se faça História
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