quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Para que da Memória se faça História

Apontamentos de um soldado em África 6
Forja de Portugueses
Trairia a minha própria consciência se, nestes apontamentos simples e despretensiosos, permitisse a lacuna formada pelo esquecimento do esforço heróico que, nos momentos que ora passam, a Juventude Portuguesa generosamente oferece à sua amada Pátria. E, para que isso não aconteça, a todos os jovens de Portugal dedico hoje as minhas palavras humildes, mesmo porque a tal intento me obriga a homenagem sincera que como português e como soldado devo prestar a todos, e principalmente àqueles que já caíram para que a Pátria mais se levante. Homenagem saudosa... para os que topei no mesmo caminho, e que agora só posso encontrar nas imagens... indeléveis... da memória. Que esta pequena meditação possa levar a todos, e àqueles que, não obstante o pesar dos anos, comportam alma de moços, um pouco dessa satisfação espiritual que brota do sentir vibrante e viçosa a alma de Portugal eterna no coração de seus filhos.
Ninguém desconhece, hoje, que estamos em guerra. Guerra de armas e de espíritos, guerra no espaço limitado do nosso território e no âmbito mundial das Assembleias de alto nível, guerra de sobrevivência de uma civilização. Ninguém desconhece, também, embora a mesma realidade seja recebida sob diversos ângulos, que capitular nesta batalha significaria encolher-se perante a afoiteza malévola do inimigo, e deixar-se envolver por um turbilhão de interesses contrapostos e devassos. E ninguém pode desconhecer ainda que esta é uma guerra de todos e terrível, onde o mais pacífico e afastado pode ser o mais acérrimo e próximo instigador; onde os inocentes têm, mais do que em outro qualquer conflito, insegura a sua própria integridade social e humana.
Guerra demoníaca, onde o ódio surge na sua mais acentuada manifestação, e onde, por isso mesmo, o AMOR é a mais eficiente e delicada arma de combate. Guerra fria e quente, que leva os homens a uma permanente desconfiança naquilo que os rodeia, e que obriga muitos, porque a desconhecem em profundidade, a combaterem-se a si próprios, iludidos pelas formas superficiais, e não vendo os resultados mais distantes consequentes dos seus actos. Guerra, enfim, que uns ganham e que outros, com idênticas intenções, podem conduzir a infelicidade da derrota. Foi esta a guerra que nos bateu à porta, como já outras nações visitara, e continua a ameaçar a mundo. Foi para esta guerra que os valores vitais da Nação se viram de um momento para o outro chamados a intervir.
Sob muitos aspectos podem ser consideradas as implicações de uma guerra nos diferentes campos da vida social e particular. E não é, pois, com desacerto que se fala das diferenças encontradas nos períodos de após guerra. Também nós poderíamos desenvolver um estudo neste campo, e inferir de um variado número de dados e pressupostos as consequências prováveis e reais da guerra em que lutamos. Umas seriam mais próximas, outras mais distantes; umas boas, outras más. Mas não foi com este fim que me propus escrever.
Interessa-me, antes, aqui, agarrar uma característica imediata, uma realidade palpável, que a situação presente veio, não descobrir, mas levantar perante nós próprios, afirmar ao própria mundo... que talvez desconfiasse das páginas históricas cantadas por Camões. A batalha que se abriu perante o povo português foi uma demanda ao valor da nossa Raça. E, sem demoras, mas com intrepidez, a resposta foi, desde o começo, decisiva, retumbante! O braço lusitano mostrou possuir ainda a mesma força antiga... e a alma, os mesmos sentimentos e a mesma fé. É por isso que eu chamo a esta guerra em que na África nos batemos (e em todo o mundo ... )
«Forja de Portugueses»!...
Desde a casa fina da cidade, à cabana sóbria do pastor serrano, nas províncias metropolitanas e nas terras ultramarinas, tal como no antanho, diante dos arrojados empreendimentos das descobertas, mães portuguesas deixaram cair pela face lágrimas de saudade. Ontem, as caravelas partiam com seus filhos buscando o resto de Portugal... Hoje, os navios continuam a sair barra fora, cortando as mesmas águas, traçando as mesmas derrotas, afirmando uno e forte, fiel e cristão, esse Portugal que os outros nos fizeram. O esforço empreendido nas horas do presente deixa escapar o mesmo perfume que emanava dos trabalhos do passado. É isso o que afirmamos ao mundo inteiro, e que vemos mais saliente na tarefa em que estamos empenhados. E, como naquele tempo.... havemos de vencer!
Forja de Portugueses!
Estes bravos rapazes adaptam-se a todas as circunstâncias, sofrem os sacrifícios e todas as dores, sentem agudos os espinhos da nostalgia, mas conservam o mesmo espírito heróico, a mesma vontade indestrutível, a mesma fé inabalável, o mesmo sorriso nos lábios, o mesmo coração generoso, a mesma alma de gigantes! Transmontanos, Beirões, Minhotos, Algarvios, Alentejanos, Madeirenses, Açoreanos, Caboverdeanos... da Guiné, de Angola.... enfim, de todo o canto de Portugal, aqui, todos sentem que são irmãos, filhos da mesma Pátria, lado a lado rindo e sofrendo... unidos lutando pelo mesmo ideal.
E não só estes! As cartas que recebemos dos rapazes que ainda estão na Metrópole, mas prestes a entrarem nas fileiras, confessam o seu entusiasmo, a sua doação, exprimem esse mesmo sentir dos que aqui já empunham armas para a defesa do solo sagrado. Na verdade, acendeu-se em África... uma forja de portugueses!
A juventude que aqui vem é temperada no fogo espiritual de uma Pátria que luta para continuar a senda histórica iniciada há séculos. É certo que o demónio e a fraqueza humana, aliados à agressividade e rusticidade das condições, a que se não pode fugir, tentam por todos os meios pervertê-la. E muitos serão os que sucumbem, e se afastam daquela linha de integridade que o bom cristão ambicionaria possuir. Mas, a esses, dai-lhes chefes dignos e mostrai-lhes bem clara a luz da verdade, e vereis que se levantam sem demora, para darem tudo o que de si a Pátria pedir. Forja de Portugueses!... Os que dela saírem hão-de envergonhar essa minoria que, buscando a ignomínia da vida fácil, apenas mais nela fazem do que construir castelos no ar, que se derrubam com o mais leve sopro de indiferença e desprezo. Valorosa Juventude! Em ti se realiza em glória PORTUGAL; em ti... que escolhes Deus para finalidade suprema dos teus sacrifícios! E vós.... os que partistes desta vida no decorrer da luta, segurai bem fundo, lá junto do Senhor do Universo, os alicerces da nossa Pátria amada!

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