Feitos e Factos
da “descolonização” da
Guiné – 14
Na Quarta-feira, dia 3 de
Julho de 1974, e no rescaldo dos acontecimentos já relatados na crónica
anterior, registava eu, a finalizar num aerograma a enviar para a família:
“...de madrugada, os tipos levantam o acampamento, roubam as armas de
três destacamentos (de milícias), na passagem, e fogem para o Senegal, levando
os dois homens. Vimo-nos e desejámo-nos para aguentar em calma as milícias e
tropa africana (da guarnição) de Pirada, a respeito de tudo isto, pois já na
2ª.-feira à noite eles queriam marchar sobre o acampamento do PAIGC.
Evitámo-lo. E de noite (de madrugada) acontece aquilo!... Isto contraria toda a
politica do partido e tudo o que se está a viver nos outros pontos da Guiné.
Temos passado horas de nervos e de tensão. Não há dúvida que esta paz é talvez
pior que a guerra” (sic).
Os acontecimentos começavam a entrar
numa espiral estonteante, de perigosidade crescente e de horizontes
imprevisíveis. As conversações de Londres do governo português com o PAIGC,
iniciadas a 25 de Maio, tinham sido interrompidas a 31 do mesmo mês. Tudo era
obscuro e incerto, e a capacidade de combater, por parte das forças
portuguesas, na conjuntura decorrente, estava reduzida a zero. Impressionante,
a verdade estratégica de que o melhor meio de vencer o “inimigo” é atacá-lo na
retaguarda... E isso tinha-lhe sido oferecido, de mão beijada, com o golpe de
Estado ocorrido em Lisboa, cerca de três meses antes. As forças combatentes, na
frente de operações, viram o chão fugir-lhes debaixo dos pés, e podia ter-se
repetido o cenário dramático de La Lys, em qualquer ponto onde os
militares portugueses pretendessem, por insensatez, defender à outrance, a sua Bandeira. A história nua e crua, imparcial e factual, ainda não
está feita... E é pena!
Ora, na Terça-feira, dia 2,
logo de manhã, reuni com o povo que tinha abandonado as suas tabancas e terras
e procurado, durante a noite, acolhimento na área do Comando, em Pirada. Foi
difícil encontrar palavras para justificar a situação e para lhes dar alguma
confiança, num futuro que se avizinhava problemático. Entretanto, os
acontecimentos haviam sido já relatados para o Comando-chefe, em Bissau. Mas,
novos problemas apareceram a complicar o estado critico em que já
navegávamos...
Uma companhia do nosso
batalhão, posicionada em Buruntuma, fronteira leste, recebera no dia 2, um
ultimato dos “nossos amigos” para retirar (abandonar a posição) dentro de 24
horas. Neste andar dos acontecimentos, que iam em crescendo como bola de neve,
esperávamos a todo o momento que uma pretensão do género nos fosse também
comunicada.
No dia 3, pelas 14h00,
tinha o comandante saído para Nova Lamego, a fim de contactar o comando de
outra Unidade, quando o nosso já conhecido M. S. – enigmático comerciante do
“burgo” – entrou no meu gabinete, com ar misterioso, a informar-me que o PAIGC
ia mandar-nos nesse mesmo dia um ultimato para desarmarmos as nossas milícias e
tropas africanas. Outro informador veio trazer-nos a notícia de que o PAIGC
preparava um ataque a Pirada... Nada disto se veio a concretizar, e estas
informações – a nosso ver – não eram mais do que testes à nossa capacidade de
gerir os acontecimentos, para avaliar a reacção consequente. Maquiavélico!
No dia 4 – Quarta-feira, e
em consequência dos nossos relatórios de situação para o Comando-chefe, em
Bissau, chega a Pirada o Brig. Fabião. Na fronteira, estabelece contacto com um
dos quadros do PAIGC, e, a respeito de Buruntuma, diz-lhe que não precisam de
fazer ultimatos, que quando quiserem que a gente retire de determinada posição
é só comunicar, que as nossas forças abandonam o local... “A guerra acabou” - disse! Quanto aos 2 homens que o PAIGC reteve, informaram que eles
estão bem (mas continuam com eles...).
No dia seguinte, dia 5, o
PAIGC fez saber que pretendia entrar de novo na nossa área e reocupar a posição
que dias antes tinham abandonado. Queriam passar pela estrada e interior de
Pirada. Fiz-lhes saber que isso poderia motivar reacções adversas por parte da
população, bem como das tropas africanas e milícias... Resolveram, então,
penetrar no território a corta-mato, por fora da área do aquartelamento e da povoação.
E deste modo voltou a “ser tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”, como soe dizer-se (só que... não mais largaram mão dos dois
“detidos”!...)
Estava tudo a correr “muito
bem”..., até que, ao fim do dia, um milícia, muito influente, começou a causar
problemas... Foi fazer reunião com outros para a tabanca (povoação)... e nós
ficámos apreensivos à espera de uma reacção imprevisível...
E foi nesse clima, quente e
reactivo, que recolhi ao quarto para algum descanso, sempre à espera do que
poderia vir por aí... E a G3, à mão de semear, voltou a ficar pronta a
disparar, junto à cabeceira.
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