domingo, 18 de março de 2012

Para que da Memória se faça História


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Feitos e Factos
da “descolonização” da Guiné - 3
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Havia eu sido mobilizado para uma terceira comissão de serviço, desta feita na Guiné, com data marcada para 27 de Abril de 1974. Corria o boato de que a guerrilha, naquela província, estava a intensificar os seus ataques, e preparava uma ofensiva em grande escala (bluff). Por isso, o “clima” vivido era de apreensão pelo que pudesse vir a acontecer em tempo próximo.
Por esta altura, a situação politica, no torrão metropolitano, apresentava alguma instabilidade. O general Spínola tinha feito publicar, em Fevereiro o seu livro “Portugal e o Futuro”, que se esgotou, nas livrarias, em apenas quatro horas após o lançamento. Tudo isto levou a que oficiais generais dos três ramos das Forças Armadas se reunissem em S. Bento, a 14 de Março, para “desagravar” o chefe do Governo e afirmar-lhe a sua confiança e fidelidade. Este evento ficou, na gíria, conhecido como “a brigada do reumático”, e registou a não comparência dos generais Costa Gomes e António de Spínola, chefe e vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. A sua demissão dos respectivos cargos foi consequente.
Porém, na madrugada de 15 de Março, um grupo de militares do quartel das Caldas da Rainha sai à rua e avança sobre Lisboa. Às portas da capital, a coluna é interceptada por forças afectas ao Governo, e é feita regressar ao ponto de partida. Este movimento ficou sempre na penumbra de um completo esclarecimento, quanto à origem das suas motivações e dos objectivos pretendidos. Passou a ser conhecido como o “Golpe das Caldas”, abortado.
A situação politico-militar, no país, estava, assim, a agravar-se. Havia já algum tempo que se vinha cozinhando o apelidado “movimento dos capitães”, e na noite de 24 para 25 de Abril as tropas saíram à rua. O que se passou a seguir não é o tema desta crónica, e não falta literatura que caracterize o desenrolar dos acontecimentos subsequentes: golpe de Estado, queda do Governo, Junta de Salvação Nacional, Conselho da Revolução, Documento dos Nove, Verão Quente de 75, 25 de Novembro, etc., etc., até à consolidação da Democracia.
Pois bem. Retomando o fio da meada, importa dizer que devia ter eu chegado à Guiné, em rendição individual, a 27 de Abril, mas só pude concretizar a viagem a 25 de Maio – tal era a “bagunça” desorganizativa da máquina administrativa militar, após o “golpe”.
Uma vez em Bissau, permaneci aqui durante cerca de duas semanas, no chamado, então, clube militar (messe), e nos contactos estabelecidos com quem chegava da, ainda, Metrópole, ia tomando conhecimento do que se ia passando acerca do evoluir da situação politica. Não eram satisfatórias as notícias, pois começava a alastrar-se a convicção de que o assalto ao poder ia de vento em popa, e as lutas partidárias aumentavam, com predomínio da militância de esquerda. Recordo uma frase ouvida de um oficial superior que regressava de férias: “- Estamos perdidos. Os comunistas estão instalados em todos os lugares-chave...”
Os acontecimentos fluíam, em Lisboa, em catadupa, e as tropas, na Guiné, começavam a sentir o seu futuro incerto, porque “o chão” lhes fugia debaixo dos pés. Em Lisboa, os cravos da revolução tinham começado a murchar desde a euforia festiva 1º. de Maio, e ninguém podia prever o dia de amanhã. Esta incerteza grassante entre os militares começava a ter efeitos deletérios na disciplina das tropas, que ansiavam rapidamente o regresso a suas casas.
É das leis da guerra que o melhor modo de vencer o inimigo é atacar a sua retaguarda, isolar a sua frente de combate e diminuir a sua vontade de combater, até à rendição. Foi assim na 1ª. Guerra Mundial, em 1917, quando os alemães permitiram que Lenine, num célebre “comboio blindado”, fosse introduzido na Rússia para aqui despoletar a revolução e retirar as suas forças da frente de batalha. Se não podemos aplicar ipsis verbis este exemplo histórico a Portugal, os contornos práticos não deixam de ser significativamente semelhantes... Com o golpe de estado de Abril 74, em Portugal, na retaguarda das forças combatentes em três teatros de guerra subversiva, separados geograficamente por milhares de quilómetros da mãe Pátria e entre si, não havia mais possibilidade de os militares, em África, prosseguirem a sua patriótica missão. Se o tentassem fazer, seria o descalabro, o desastre total, e muitas vidas seriam ingloriamente sacrificadas. Atente-se no caso de Timor, e no que aconteceu ao malogrado Maggiolo Gouveia – o herói esquecido – por amar tanto a sua Pátria, e o povo timorense.

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