domingo, 18 de março de 2012

Para que da Memória se faça História


Feitos e Factos
da “descolonização” da Guiné - 2
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Um dos factos mais surpreendentes ocorridos no sector do BCav 8323, já na descolonização consequente do golpe de Estado do “25 de Abril”, foi, pelo insólito da cena, e pela espontaneidade oportuna do principal actor, o da bandeira de Paúnca, no nordeste da Guiné... Poucos terão, então, percebido o que realmente se passou, mas quem bem atendeu ao cenário da cerimónia, não deixou de se interrogar sobre o significado, completo, profundo, daquele acto protocolar.
Dia 21 de Agosto de 1974. 13 horas e trinta minutos. Era a transferência de responsabilidade do quartel de Paúnca, para o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde).
Depois de uma alocução de circunstância, proferida pelo então Major de Cavalaria Moniz Barreto, 2º. Comandante do BCav, e com todos os presentes (militares portugueses e do PAIGC) em sentido, desceu com toda a solenidade, ao toque de clarins, a bandeira das quinas – a Bandeira Portuguesa, que foi religiosamente recolhida.
Acto contínuo, o ex-furriel Reis Pires, passado já para os quadros do PAIGC da área, subiu ao paiol, para com a mesma solenidade hastear a Bandeira da Guiné Bissau.
De novo iniciam os clarins o toque de continência. Os militares perfilam-se enquanto ascende no mastro a bandeira tricolor, vermelha, verde e amarela, da Guiné. Quando esta já subia a meia haste, rompe-se a adriça, e a bandeira fica solta, até que cai em terra.
A marcha de continência prossegue...
Perplexidade geral!... Mau agoiro?!...
Não acreditamos em prenúncios agoirentos, mas, como soe dizer-se: “há sinais!...”
Confusão apenas momentânea:
O soldado Balasteiro, do pelotão de reconhecimento da CCS/BCav 8323, ali presente no momento, zarpa leste, e de um salto agarra a bandeira caída. Sobe, então, pelo mastro fora, feito macaco, a segurar a adriça nos dentes. Lá no alto, passa o cordão pela pequena roldana, e começa, imóvel, na ponta superior do mastro, a puxá-lo lentamente, fazendo subir a bandeira da nova “dominação”, com a mesma solenidade que antes, enquanto os clarins continuam a fazer soar os seus acordes em marcha de continência.
Os militares portugueses e os do PAIGC quase não haviam alterado a sua postura inicial, perfilados e em respeito.
Finda a cerimónia, procedeu-se à substituição da corda. A nova Bandeira lá ficou, ondulante e segura.
Este, o facto. Singular, inédito, “enorme”!...
Agora, o significado que logo se procurou tirar dali:
A nova Guiné independente, precisaria de estruturas novas, para “subir”... Mas os Portugueses, como Balasteiro, hão de estar sempre prontos a ajudar os seus irmãos desta nova nação africana, sem colonialismos exploradores, mas com fraternal generosidade.
... ... ...
Trinta e sete anos passados, e tendo em conta todo o percurso temporal e politico desta antiga província africana de Portugal, desgraçada por lutas subsequentes de poder, e por vinganças perpetradas em ajuste de contas partidárias e raciais, continuamos a pensar que... infelizmente, o gesto espontâneo, profético, de Balasteiro, não logrou ainda pedagogia bastante, para que os guineenses possam usufruir da felicidade que merecem.

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